Feira da Vandoma: um apelo

Feira da Vandoma: um apelo

Há que levantar a voz

Em Janeiro de 2016, a feira da Vandoma mudou-se e também mudou. Como alguém que frequenta há anos a Vandoma, posso dizer que se abriu uma ferida que vai custar a sarar, se é que tem cura. A primeira feira fora das Fontainhas deixou um sentimento inusitado.

Para quem não conhece, a feira da Vandoma é uma feira de velharias que já perdura há mais de trinta anos. Foi inicialmente criada por estudantes, que vendiam alguns livros e outros haveres na Calçada da Vandoma, junto à Sé. Daí foi crescendo, e mudando. Há vários anos que estava sediada na charmosa Alameda das Fontainhas, que se ergue sobranceira ao Rio Douro, e revela uma das mais belas vistas sobre a Ponte Luís I. Este ano tudo mudou, tendo sendo a feira arrancada para a Avenida 25 de Abril.

Ao contrário do que quem ignora brada aos ventos, a Vandoma não é uma feira de meliantes. Na feira da Vandoma ouve-se o burburinho de toda uma população de uma cidade, de todas as formas e feitios, meios e estratos. É fiel à alma tripeira, mas convida e acarinha todos os que a visitam. E esta genuinidade tem um valor inestimável. Para nós, mas também para os turistas. Ninguém quer visitar uma cidade sem carácter, despida da sua vivência quotidiana.

Acima de tudo, falta a beleza do cenário e enquadramento histórico a que os frequentadores e vendedores desta feira há muito se tinham habituado, quer na sua última residência, a Alameda das Fontainhas, onde miravam o Douro e as pontes do Porto, na soalheira Cordoaria, ou no seu local de origem, junto à monumental Sé.

Os vendedores queixam-se de condições precárias, tendo que servir-se de uns míseros pares de casas de banho portáteis, e tendo também que andar bastante até encontrar um café para se fornecerem com alguns mantimentos. Sim, porque um café faz falta, para sustento mas também para convívio (ou antes assim se fazia).

Nesta altura do ano torna-se custoso vender e comprar, devido a um frio medonho que é empurrado por um vento sem barreiras na inóspita Avenida 25 de Abril. O desabrigo é um problema considerável, que se agrava ainda mais em condições de chuva. A dificuldade em erguer toldos e protecções também leva a que muitos desistam de aparecer quando o tempo ameaça chuva.

Mas mais importante ainda: a acessibilidade por transportes públicos é mais limitada, e a sua deslocalização do centro leva a que não esteja de forma alguma na rota de passagem de turistas, que eram responsáveis por uma grande porção das vendas.

Ao contrário do que se diz na página do Porto, não há muito estacionamento na zona. Há pouco, e longe. No entanto, fervilham as brigadas da Polícia Municipal, num paradoxo que é uma zona onde há uma feira mas em que é quase impossível parar ou estacionar, até mesmo para cargas e descargas.

O sentimento é de quase resignação, e de uma tristeza pela perda de um local de extraordinária beleza e carácter, mas também pela perda de vários colegas e clientes que não aderiram ao novo espaço. Por muito que uma feira seja feita pelas as pessoas, as pessoas também têm de se rever no que é a feira. Não se entende porque é que não se utilizam umas das muitas praças ou espaços ajardinados, próprios para o efeito, que abundam no Porto. Infelizmente, a Avenida 25 de Abril não tem carácter, nem história, nem vivência.

Há quem diga que o crescimento desmesurado e sem freio da antiga feira antecipou a decisão, mas há também quem diga que se esconde uma mão culpada, que permitiu o caos para apoiar decisões mais drásticas, como a que se viu. Há quem sugira que a reabilitação urbana e certos interesses turísticos instalados tenham atirado a feira para longe, onde não incomode. Mas a realidade é que a gentrificação é um polvo que tenta apertar os seus tentáculos sobre a nossa cidade.

Todas as grandes cidades Europeias estimam e preservam as suas feiras, e graças a tais cuidados, tornaram-se ícones inconfundíveis para os locais e para os turistas. Quem nunca ouviu falar das magníficas feiras de velharias de Londres (Portobello Road), Paris (Marché aux Puces de Saint-Ouen), Munique (Flohmarkt auf der Theresienwiese), Amesterdão (Vrijmarkt), Bruxelas (Jeu de Balle), Barcelona (Mercat Dels Encants), Madrid (El Rastro), e da nossa Lisboa (Feira da Ladra), por exemplo? Todas elas são grandes, vibrantes, feitas de gente e para gente. O Porto não deve almejar ser mais pequeno, e sufocar o que tem de genuíno.

Contra a vontade de muitos, a feira continuará a existir. No entanto, poderá vingar-se um dia e saltar para longe, e o Porto perderá mais uma das suas jóias.

Posto isto, deixamos aqui o nosso apelo aos responsáveis na Câmara Municipal do Porto, bem como aos deputados da Assembleia Municipal do Porto, que se proponham a engendrar uma nova solução para a Feira da Vandoma, que a dignifique e que a valorize, como esta bem merece. O Porto agradece.

Foto por Laszlo Daroczy, CCBY 2.0.

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