Os portugueses têm uma longa história de amor com o porco. É até difícil de acreditar que não fomos dos primeiros povos a domesticar o javali feral, há quase 15 mil anos. Tudo bem, realmente não somos dos países com mais raças autóctones, antes pelo contrário. Mas temos orgulho nos nossos três originais: o Bísaro, o porco Alentejano (ou porco preto Ibérico) e o porco malhado de Alcobaça. Como povo que ama e respeita este nobre animal, ao longo do tempo desenvolvemos receitas e técnicas que nos permitem aproveitar a plenitude do seu ser, da cabeça aos pés. Tal necessidade surgiu não só para evitar o desperdício, como também para garantir uma fonte de alimentação durante os meses mais rigorosos. E assim, nasceram as nossas deliciosas carnes curadas e enchidos. Portanto, vamos parar de encher chouriços e vamos antes falar sobre eles. Como o repertório Português é muito vasto, segue uma seleção das variedades mais marcantes.

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ALHEIRA

A alheira é um enchido caracteristicamente nortenho, sendo as mais famosas as provenientes das regiões de Mirandela, Vinhais e Montalegre. Tradicionalmente, a alheira tem como principais ingredientes o porco, a galinha, o azeite, o pão e condimentos como o sal, o alho, e o pimentão doce ou picante. Há também as (verdadeiras) alheiras de caça, que podem conter lebre, faisão, pato ou perdiz. Na etapa final a alheira fará uma passagem pelo fumeiro onde irá perder o conteúdo em água e obter aromas do fumo da madeira.  As diversas combinações entre os ingredientes e o tempo de fumeiro tornam os diferentes tipos de alheiras bem diferenciadas entre si. Uma das particularidades da alheira é o seu interior pastoso, ainda que não homogéneo; os pedaços de carne e pão devem ser notórios. Devem ser consumidas grelhadas, fritas ou assadas, e no seu paladar destacam-se a suavidade e cremosidade, a delicadeza do azeite, um bom ponto de sal e uma fumagem aromática. Talvez não seja a mais popular, mas a forma mais tradicional de servir este enchido é assar a alheira e acompanhar com batatas e grelos cozidos.

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BELOURA

A beloura é uma especialidade minhota que se vê pouco fora da região. Não é propriamente um enchido ou uma carne curada, mas mais uma espécie de filho proibido entre uma morcela e um pão. A receita requer farinha de centeio, milho e trigo, amassadas com fermento, sangue e água de cozer sarrabulho, junto com pimenta e cominhos. É levedada, moldada e cortada para depois ser cozida em água temperada com alho, sal e louro. Atenção, apesar de alguma semelhança com um pão não se come com manteiga. A beloura deve cortada em fatias finas e frita em banha (melhor, em pingue) para acompanhar rojões à moda do Minho.

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BUTELO

O butelo é um portento dos enchidos do Norte (Bragança), quanto mais não seja por ser o único que pode servir de arma de arremesso. Explicando: o butelo também é conhecido como chouriço de ossos, ou não fosse constituído por vértebras e costelas de porco (toda a gente sabe que a melhor carne é junto ao osso), bem como cartilagens e carne, encerrados dentro de um estômago (bucho), bexiga ou tripa de porco atados com fio de algodão. Como tempero, são usados o sal, pimentão, louro, alho, e vinho. É fumado durante poucas semanas e deixado curar ao frio. É grande (1-2 kg) e não é bonito; uma bola disforme com ossos protuberantes. Depois de cozido lentamente, temos um festim de carnes macias, não muito salgadas e com bastante predominância do pimentão, e delicados ossos para roer. É tradicionalmente acompanhado num cozido com cascas (ou casúlas) de feijão.

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CACHOLEIRA

A cacholeira é um enchido típico do Alentejo, em especial da região de Portalegre. É o uso das miudezas que a torna tão particular, principalmente o fígado de porco, mas podendo também levar rim, pâncreas, baço e coração, bem como gordura. O seu tempero principal é o sal, podendo adicionar-se alho, vinho ou cominhos. Posteriormente, é escaldada em água e fica pronta a consumir, de preferência assada ou cozida. Sensorialmente apresenta-se como um enchido delicado, suave e ao ponto de sal, com uma gordura aromática e equilibrada.

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CHOURIÇO

O chouriço é um dos exemplos mais diversos dos nossos enchidos tradicionais. Vejamos, o chouriço pode até adoptar recheios tão aparentemente incomuns como abóbora (chouriço de abóbora de Barroso-Montalegre) ou sangue e mel (chouriço doce de Vinhais). Na sua generalidade, as variedades mais comuns de chouriço provêm de carne e gordura de porco, muitas vezes de raças autóctones como o porco Bísaro ou Alentejano, que são temperadas com o pimentão, o vinho e o alho, e seguem para uma fumagem branda durante alguns dias ou semanas. O chouriço Mouro, uma variedade proveniente do sul, tem na sua constituição sangue ou carnes ensanguentadas de porco, que lhe confere uma cor mais escura, semelhante a uma morcela. Em termos de sabor, é delicado e pouco salgado, com uma gordura aromática.

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FARINHEIRA

A farinheira é um dos enchidos mais particulares do nosso cardápio, porque não é feita de carne e é de cor alaranjada. É feita de gordura de porco muito bem picada, que é marinada durante alguns dias com vinho branco, massa de pimentão, sal e alho. Seguidamente, é envolvida com farinha de trigo e fervida, e depois junta-se mais vinho branco e em algumas regiões, sumo de laranja (!). Depois de enchida em tripa de vaca, é levemente cozida e seca no fumeiro. A farinheira tem um sabor suave e muito delicado, aromático e pouco salgado, prevalecendo uma untuosidade aveludada que complementa uma textura usualmente pouco firme.

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MARANHO

O maranho é um dos enchidos frescos mais particulares de Portugal, por ter como principal ingrediente a carne de caprino (ou ovino) em vez de porcino. Originário de Proença-a-Nova, tornou-se num prato típico da região da Beira Baixa. Assim sendo, é envolvido por um estômago de cabra (ou ovelha) recheado com carne de cabra (ou borrego), toucinho, chouriço, presunto, arroz, vinho branco, azeite e hortelã. O seu sabor é mais intenso do que outros enchidos, devido à intensidade da carne de cabra e borrego, que contrabalançada pelo aroma da hortelã. Como é um enchido fresco, deve ser consumido pouco tempo depois de ser produzido. É confeccionado por cozedura, podendo depois ser alourado no forno.

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MORCELA

Não se pode falar da morcela estritamente como um todo. A morcela constitui uma família de enchidos unidos pelo sangue. Genericamente, têm sangue, carne ensanguentada, e gordura. Pode também ter cebola, arroz, pão, e até laranja. A nível de condimentos, é frequente, mas não obrigatório serem temperadas com cominho e cravinho. A maioria são escaldadas e depois secas no fumeiro. Como a variedade de morcelas é grande (Portalegre, Guarda, Borba, Ilhas, etc.), é difícil caracterizar como um todo. Uma boa morcela deve ser concentrada em sabor, que não chega a ser sanguíneo mas sim quase adocicado, com uma pele estaladiça quando frita ou grelhada, e um interior macio e aromático, com a gordura bem derretida, mas nunca seca. Acompanha com naturalidade tudo o que é cozido, carne ou vegetal. Brilha no pão ou acompanhada de broa de milho.

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ORELHEIRA E FOCINHO DE PORCO

Meia face de porco é mergulhada numa salmoura e depois pendurada a secar no fumeiro, notoriamente com lenha de azinho, até pronta. Encontramos a orelheira em muitos pratos tradicionais como a feijoada à Transmontana, cozido à Portuguesa ou mesmo como um petisco com molho verde. Em termos de paladar, encontra uma grande variedade de acordo com a zona. Toda a parte da face assemelha-se a barriga de porco com menos carne, já a orelha é dominada pela textura da cartilagem. Em todo o caso, é redondamente fumada, suave mas altamente textural devido ao colagénio, e muito amanteigada. Também podemos encontrar a orelheira somente salgada.

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PAIO

O paio do lombo é um enchido muito produzido no Sul, destacando-se o de Barrancos e de Beja. Consiste no uso principal de lombo de porco, podendo eventualmente algumas variedades serem guarnecidas com carne da perna. O uso de sal, pimenta e alho são uma constante, já a massa de pimentão poderá ou não fazer parte da receita. Outra variedade particular, o paio branco, é típico do Alentejo, e difere pela sua cor clara e revestimento. É constituído por lombo de porco temperado apenas com sal e alho, que é revestido por peritoneu (tiez) de porco cozido, sendo depois apenas seco ao ar, sem passar pelo fumeiro. As primeiras duas variedades comem-se cruas, normalmente com pão, onde se apresenta suave, firme, pouco gorduroso e com bastante sal.

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PERNIL

O pernil fumado é somente joelho de porco condimentado e seco em fumeiro. Esta peça costuma ser demolhada para depois ser assada. A simplicidade é a bastante, pois torna-se numa delícia de diferentes texturas que variam entre a carne tenra, o gelatinoso colagénio e a pele crocante.

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PRESUNTO E PALETA

O presunto é um dos mais incontornáveis petiscos das tascas portuguesas. É importante notar que o presunto configura as pernas posteriores, enquanto que a paleta se cinge às pernas anteriores. Para tal uma perna inteira de porco é salgada, lavada, seca (podendo, ou não, ser fumada), e depois é envelhecida. E este é o factor mais crítico no desenvolvimento do sabor do presunto e da paleta, durante o qual se ocorre uma série de processos bioquímicos que tornam o bom presunto um festim textural, olfactivo e gustativo. E dentro de certos limites, quanto mais envelhecido for, melhor. Um bom presunto deve ser cortado em fatias muito finas, para revelar a transparência da carne, a untuosidade da gordura e o aroma delicado com marcadores olfactivos que remontam a fruta, caramelo, manteiga e nozes. O paladar nunca deve estar dominado pelo sal e a mutabilidade de sabores deve intensificar-se durante a prova. Os presuntos e paletas provenientes de porcos Alentejanos são dos que apresentam uma maior complexidade sensorial, como o de Santana da Serra e o de Barrancos. Já os melhores presuntos do Norte, como o de (Lamego e Marão) recorrem mais à raça Bísara.

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SALPICÃO

Este volumoso e compacto enchido é composto por pedaços de lombo (e por vezes também perna) de porco, que é marinado durante vários dias em temperos como vinho tinto ou branco, alho, sal, pimenta, louro, pimentão, que preenchem uma secção cilíndrica de intestino grosso, atada com fio de algodão. O salpicão é depois seco lentamente no fumeiro. Destacam-se o salpicão Alentejano e o de Trás-os-Montes. Ao provar um salpicão predomina o sabor a fumo e sal, aparecem timidamente o vinho e pimentão, com uma textura firme, magra e pouco ou nada untuosa.

ONDE POSSO COMPRAR?

No Porto, não faltam sítios onde comprar estes maravilhosos enchidos e carnes curadas. No entanto, recomendamos os seguintes locais:

Mercearia do Bolhão (Rua Formosa, 305)

Casa Lourenço (Rua do Bonjardim, 417)

Pérola do Bolhão (Rua Formosa, 279)

Comer e Chorar por Mais (Rua Formosa, 300)

Queijaria Amaral (Rua de Santo Ildefonso, 190)

Casa Chinesa (Rua de Sá da Bandeira, 343)

Casa São Miguel(Praça Mouzinho de Albuquerque 63)

Salsicharia Lindinha (Mercado do Bolhão)

Salsicharia Branquinha (Mercado do Bolhão)

Salsicharia Luísa (Mercado do Bolhão)

Créditos

Imagem de capa: Biblioteca de Arte Gulbenkian

Imagem de porco: Created by Frimufilms – Freepik.com

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