Picky eaters, ou os esquisitos com comida

Picky eaters, ou os esquisitos com comida

 

Perante alimentos desconhecidos, o nariz actua como sentinela, e grita: “Quem vem aí?”  – Jean Brillat-Savarin

Enquanto há quem adore lampreia e calorosamente aguarde por esta iguaria verdadeiramente sazonal que, pelo Outono, inicia a sua entrada nos rios de Portugal, há também quem nem sequer consiga conceber que este gigante parasita sugador de sangue possa alguma vez constituir uma refeição. Este é um exemplo francamente comum e até compreensível, dada a estranheza desta criatura marinha.
Os seres humanos possuem entre 2000 a 4000 papilas gustativas localizadas na língua, que são responsáveis pela detecção de sabores básicos, como o doce, amargo, salgado, azedo e umami. Existem também outras estruturas no esófago, epiglote, garganta, palato, lábios e nas bochechas que igualmente contribuem para a percepção do sabor [1].

Os sabores básicos, bem como a sua intensidade, aliados aos restantes sentidos, fazem da preferência por determinados alimentos um acto altamente individualizado, onde não se encontram facilmente consensos universais.

 

Será você um picky eater?

 

Existe contudo um cenário algo mais abrangente de exclusão de certos alimentos, o qual assisto no meio informal que me rodeia, mas que é também uma questão abordada e estudada pela comunidade científica.

Existem pessoas, e estou certo de que todos conhecemos alguém assim, que apresentam uma forte resistência a experimentar e apreciar alimentos que estão fora da sua habitual zona de conforto. Normalmente, acabam por apresentar uma enorme recusa a um largo espectro dos alimentos ou pratos, mesmo aos que regularmente é exposto no seu ambiente familiar.

A literatura científica caracteriza este tipo de comportamento em duas categorias: os picky eaters (inventemos uma terminologia, os “esquisitos com comida”) e os food neophobic (neofóbicos alimentares). Tratando-se de situações diferentes, encontram-se em certos pontos, e têm manifestações semelhantes. Já para os efeitos deste post não serão feitas distinções.

Esta recusa alimentar está geralmente mais associada às crianças, mas é nos adultos onde esta questão é publicamente menos bem aceite.

Os estudos que se debruçam sobre esta temática põem ordem no galinheiro, pois apesar da rejeição poder parecer aleatória, há vários factores e causas que influenciam fortemente este tipo de comportamento, tais como a idade, personalidade, cultura e percepção sensorial à temperatura, textura, cor e origem da comida.

 

Mas porque é que isto acontece?

 

Considerando sempre uma predisposição genética (como há para tudo), as nossas preferências alimentares começam a formar muito cedo, tendo início nos estímulos químicos que recebemos das nossas mães durante o período de gestação e de amamentação.

Quando olhamos para as birras alimentares e o factor “idade”, vemos que o pico deste tipo de comportamento surge entre os 2 e os 6 anos, havendo depois um decréscimo durante a adolescência, que se acentua ainda mais na idade adulta. Por outro lado, os mais idosos, apesar de amplamente afectados por uma diminuição da sensibilidade sensorial, tendem a experienciar uma revitalizada recusa por alimentos novos.

Não é de estranhar que pessoas que tenham uma menor percepção gustativa e olfactiva têm maior aceitação quando experimentam novos tipos de comida – é por isso que as nossas mães nos mandavam tapar o nariz quando tínhamos que tomar remédios (alguns não eram assim tão maus!).

No entanto, pessoas que apresentem uma hipersensibilidade gustativas e olfactiva poderão recusar mais facilmente alimentos novos por se sentirem assoberbadas por certos sabores. Neste caso, os estímulos no campo do amargo e do azedo são mais determinantes do que do doce e salgado. Mas mesmo alimentos mais neutros podem gerar alguma repulsa, havendo mesmo relatos de aversão de beber água à temperatura ambiente.

É também sugerido que um contacto reduzido com sabores novos e experiências negativas com comida, como alergias, engasgar-se, vomitar e comer à força possam estar na base deste tipo de comportamento.

Já o regime alimentar que picky eaters praticam, sendo claramente menos diverso, tende a excluir vegetais e a preferir cereais e produtos processados, o que em muito se deve à uniformidade de sabor que estes produtos exibem. Por último, os picky eaters apresentam uma maior tendência para apresentar sintomas de síndrome obsessivo compulsivo e depressão do que pessoas que comem mais livremente [2, 3].

 

E como lidamos com isto?

 

Quando nos deparamos com um picky eater, especialmente uma criança, devemos adoptar uma postura positiva e compreensiva, não caindo na tentação de ter uma resposta mais agressiva e implicativa. Antes de dar a provar, dê o exemplo e prove primeiro. Mostre uma postura aberta e relaxada. Resista à tentação de lhe encher o prato com o alimento novo, fraccione, e lembre-se de não sobrecarregar o paladar (não se esqueça que poderá estar perante uma pessoa com hipersensibilidade).

E depois, tenha calma. É sabido que o cérebro, perante uma nova situação ou sensação, precisa de um número mínimo de repetições para se acomodar ao novo conceito – ao início da refeição, pode sentir que irá decorrer uma tragédia grega, mas espere até ao fim, ou até às refeições seguinte, poderá surpreender-se [4].

 

Investidores, procuram-se!

 

Esta é ainda uma questão pouco abordada em todos os meios e sem que sejam definidas linhas claras sobre como devem proceder para minorar os efeitos já implícitos desta exclusão alimentar, o que conduz também numa exclusão social.

Será esta uma realidade à qual a indústria alimentar deva estar atenta e fornecer opções tal como para os vegetarianos e intolerantes alimentares? Será que ainda assistiremos ao primeiro restaurante para picky eaters (excluindo, claro, o McDonalds)?

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